7.02.2005

Alergo - um textinho foleiro

De onde vêm os impulsos? As chamas que me consomem não ardem só em mim. Ardem ao lado, à frente e atrás... O passado que me fez assim comeu-me o silêncio e deu-me asas para aguentar o ruido todo que a morte faz por esse mundo. Ao lado vejo ardores de amigos que desejam mas não podem desejar. Sem corpo para aguentar o sonho. Estes animais também os tentam magoar mas não consigo dar-lhes atenção.
As minhas questões perdem-se num passado simples. As dúvidas são as sombras que já só assombram os outros. Hoje sou livre de mim e já nada me faz parar. Só mesmo a dor física destes dedos a escrever ou as costas doridas de noites em frente ao cavalete ou à secretária. Porque é ali que atiro o que tenho dentro de mim para os outros e para o mundo. Mas sem pensar muito nisso sei e sinto que preciso de me deitar com mais livros e de encontrar mais mulheres. Admito esta minha face desprendida da mulher idealizada que já viveu dentro de mim. E toda esta minha libertação começou no Bairro alto. Como quem sobe ali pela rua da Atalaia encontro um bar calmo para me tirar o pôr do sol da frente dos olhos. E começam a arder as nuvens sem que ninguém note. Só eu que estou num buraco escuro, um metro a baixo do nivel da rua, sei que as nuvens ardem em dor. Sinto o silêncio que comemora a vitória sobre a voz que acarinha Lisboa. Mas nada. Ninguém ouve este silêncio de um amigo que não chega.
Perdido na dúvida do que gostaria de ser um dia eu decidi viver. E hoje não sei se escrevo isto vivo ou morto. Talvez um dia quem lê me possa escrever e dizer se respiro ou se já morri.
Para escrevermos sobre estas forças que nos consomem é preciso mergulhar para o tempo dos dinossauros... idealmente ir um bocadinho mais atrás... vamos fazer de nós um simples positrão. Surgimos naquilo a que chamam anti-universo e vemos o nosso espelho negativo a afastar-se de nós. Com spin qualquer estranho e que ainda poucos podem explicar apreciamos a natureza do mundo vazio que nos envolve e sentimos todas as particulas a afastar-se de nós.Sentimos a única pergunta que nunca vai ter hipótese dentro do saco das grandes. A pergunta das origens. E sem ordem... Sem planos... fazemos arder palavras como toros de lenha sobre uma tela que vai absorvendo as marcas de uma noite que acontece sempre à volta da fogueira que aquece palavras e sorrisos. Comemoramos a vida sem dizer nada a ninguém porque ainda poucos são os que sabem que ela vai acontecer. A vida arde como a energia que me afastou do meu irmão gémeo. Somos as feras do final do Zaratustra. Somos a águia e o Leão que lutam sem lutar. Que rodam com a terra sem saber muito bem disso. Por mais que corram ou voem as feras... sem sequer sonharem com isso... orbitam as musicas e sons primordiais. Numa radiação de fundo que amarra tudo à origem e que chama os atentos para a pergunta. Sem noção do que disse antes começam a escorrer gotas de sangue. E a tinta ganha uma nova força. O toque é quente e a dúvida volta a tocar neste texto que não tem pretenções a participar. E como a maior parte destes portugueses com medo de existir a dor começa a fazer-se sentir sem drama, numa frase que me disse que a desgraça era a vida durante anos e na ausência de espaço para respirar. O fado nao é angústia é simplesmente a certeza que Portugal vai estar semrpe em crise... nem Erikson poderia ententer este eterno processo de autoflagelação de um povo que me pariu para este mundo. E correm-me os genes deles no sangue. Amo-os. Sou como eles mas não me aceito como sou. Primeiro aprendi a fazer perguntas, depois aprendi a ler, o meio fisico, a matemática... e vi-me obrigado a gritar revolta para sobreviver neste mundo cinzento que quase me matou. Não havia pôr do sol que me aquecesse porque já fugia dele. E hoje a angústia está toda nas telas que pari. Nos esculturas a que dei corpo. E ficaram por acontecer tantas figuras pixeladas de jogos de computador feitos de pedras de calçada preta e branca. Onde está o Larry? O que é isto do revivalismo se não uma grande saudade que se espalha pelo mundo e arde como as ideias que estão atrás de mim e me dão a mão. Não segurem forte... porque se não ainda caio para trás. Gente da minha terra não tentem perceber a tristeza que trazem porque ela foi oferecida por mim como um brinde dos cereais. Veio para o mundo todo mas só vocês a abraçaram como um pedacinho de céu cinzento que já não vêem há tanto tempo. Não há vozes cristalinas nem Marizas ou maresias que apaguem esta vela foleira que arde no peito de cada português. O no fundo o que é que conseguimos com isso? Conseguimos ser todos electrões em portugal... cheios de sonhos negativos que nunca acontecem... impossíveis de sentir num todo porque o Heisenberg não esteva lá só para alguns com os princípios mais básicos do conhecimento. Porque o mais importante é saber aceitar o que não vamos conhecer, mesmo dentro destas paixões todas que nos exaltam as almas ardem ainda mais intensamente. Somos todos xamãs... Somos todos artistas e poetas mas onde é que estão os desenhos que vocês fazem ao telefone? Sim onde é que estão os textos que gravam os vossos sonhos. Não sejam apenas leões. Chega de queixas. É hora de esquecer o nevoeiro. E se ele vier temos de abraçar a humidade e não usar os olhos para nos orientarmos.
É hora de partir para os confins do universo como todas as partículas que surgiram naquele possível momento. Porque toda a gente julga que está parada. Ninguém vê o fractal das suas opções. Ninguém se pode alimentar de mitos eternamente. Temos de crescer para deuses e não acreditar numa coisa superior escrita e passada que só a penitência Judaico-cristã pode garantir.
Sem medo. Sem dor. Sem nada do que é nosso, parti e cheguei a outra ilha onde as pessoas fazem tudo ao contrário. Ofereceram-se para explorar todo o meu potencial mas eu recusei e esqueci-me disso. Só queria poder existir num mundo sem alergia, sem espirros, sem muco, sem saudade, sem nevoeiro, nem desejos de ser Europeu. Porque é que não abraçamos os cantinhos mágicos da nossa imaginação para semear no mundo?
E despejando, sem dúvidas, deixamo-nos assaltar por elas. E na esperança que um dia cada palavra seja muito mais do que um sonho, o ardor de uns olhos que já se podem fechar sem medo, enquanto escrevem os desejos de ser, consomem-me como um compositor que ao piano se pode dar ao luxo de não olhar, de fechar os olhos em dor e de arder por dentro como uma fogueira que ficou apagada e esquecida na manhã seguinte. Estou sempre a partir. Sempre a chegar a casa. Sempre a encontrar mais casas dentro de mim. A aprender a amar outros como pais e amigos como eternos companheiros de aventuras perigosas e apaixonantes. Mas no meio de tanta foleirada, de tanto barroco e de tanta poetico-pastorícia eu ardo sempre calmo, ciente de que o humor ainda não me assaltou como eu gostava. Uma piada que ainda não abraçou as palavras como abraçou as minhas aguarelas. Na esperança de que um dia na televisão nos venham dizer o que temos de fazer para salvar o país deixamos de sentir a certeza de que temos de mudar para deixar outros brilhar. E os tectos curvos das abóbadas da vida sucedem-se em aglomerados a que depois se chamaram estrelas.... E anti-estrelas... E estas foram tão boas para elas mesmas. Arderam tão bem dentro de si próprias que não percebo como é que os planetas se podem sentir bem só por absorver calor e radiação. Nós planetas somos mesmo manhosos. Não temos mais do que um núcleo quente.

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