Acabei agora de viver uma noite memorável. Uma noite em que me apercebi que posso fazer uma exposição baseada exclusivamente no pictionary. Filmando quem desenha e quem adivinha. Partilhando numa superfície simples os desenhos feitos em menos de um minuto que colori a posteriori. Sem explicação partilhei sangue de um filósofo que apesar de tudo ainda admiro. Partilhei a bebida sagrada do egípcios. Partilhei a folga de quem constroi uma pirâmide. Estivemos a sentir as capacidades telepáticas exclusivas de irmãos e de namorados. Ouvimos os gritos uns dos outros como se de sussurros se tratassem. Criei amigos sem pedir nada em troca ao mundo. Andei preocupado com uma rapariga linda que não pode sentir nem saber como a indecisão pode ser tão autodestrutiva. Depois telefonei a um amigo que me vai mostrar o lado doce do capitalismo numa capital que já me preenche antes de a conhecer. Segunda estou em New York a perguntar a mim mesmo como é que fui ali parar. Está na hora de olhar para o mosquiteiro e fechá-lo só porque as mosquitas precisam do meu sangue para criar os seus ovos.
Nesta paragem que fiz, resolvi não beber só o sangue de quem tentou ensinar a humanidade a amar. Fui busca o corpo do pão para me ajudar a sentir. Os mosquitos aproveitam-se do gradiente de CO2 para se aproximar de mim. Mas eu preciso de respirar. Preciso de sentir o ar a passar pelos meus alvéolos pulmonares. Não chega aproximar percentagens. Não chega dizer que o azoto está a 79% e o O2 a 21%. Não há aproximações. Sinto o ar como um somatório de sucessões que ultrapassam as proporções de fibonaci há muito. Numa perfeição para lá do estético. A proporção natural. Nem o número de ouro é tão natural como isto de sentir o ar quente de uma noite de verão invadir o meu corpo que alimento com vinho e pão. Acredito no amor como um alcoólico acredita no vinho. A vida é tão agridoce que o nada nos pode levar mais facilmente à verdade de uma via, do que a dor de sentir tudo. Cada detalhe. Cada desejo. As pessoas que me rodeiam passam a ser pedras que olho como amostras no meu primeiro estojo de geologia: chave dicotómica que me ajuda a determinar arquétipos que ainda se deviam escrever com ch. Os meus reflexos não são nada. Os mosquitos já parecem moscas. Rápidos como a nossa sombra: já não chega ser o Luckie Luke.
Há sempre uma supresa no que se vive. Ela vem sempre embrulhada em prazer ou em dor. Sem aforismos tudo se torna fluído como o inesperado.
Saboreio cada golfada deste gás composto também por gases nobres: sinto cada átomo de hélio. Afasto os mosquitos só com o olhar. Ouço o solo do Jimmy Hendrix como se fosse a primeira vez. Adoro delirar com gritos de manhã. Adoro relembrar essas subtilezas a que as pessoas chamam a intimidade dos outros. Há palvras que nunca deviam estar juntas.
Hermano nunca devia estar perto de qualquer vocábulo exclusivamente português como saudade e muito menos na mesma frase.
E as ideias que eu sonhei durante este ano sempre em inglês? Onde é que está a nacionalidade do amor? As baterias do computador estão a meio. Não chega escrever na sala ao som de um aplificador BO e colunas Kief porque os cabos estão todos velhos. Não chega ter canais sempre a passar biografias. Não chega amar quem não sabe que nos ama. Tudo se torna inútil quando não sabemos e sentimos os poetas que escreveram ainda agora que “tudo vale a pena se alma não é pequena”. Será que os portugueses têm uma alma pequena? Será que o declínio da humanidade passa pela arrogância de um momento em que acreditaram em paz e amor? Não chega um bom vinho a jorrar num belo decanter... Nem um livro de um realizador de cinema que sente como eu. Não chega ser amor nem sonho. Sou uma pessoa que vai morrer e que faz disso a sua força sem acreditar em qualquer tipo de ilusões.
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