Quando era pequenino li um livro que adorei: o tempo e o espaço do Tio Alberto. Era uma pequena aventura de uma sobrinha que ia pensar e sonhar com o seu tio para fazer um trablho de ciências. O tio dela era o famoso E=MC2. Ele tinha uma bolha pensante. Lembro-me que ele lhe ofereceu um relógio e que pensavam muito sobre o tempo. Usavam naves espaciais e cometas para se divertirem... bem, um espectáculo muito parecido com o que eu e a minha Tia Céu montavamos no cantinho dos sobrinhos com o Galileu Darwin, dominós, burros, lobos e leões...
MAs eu queria falar era do meu querido Tio Alberto. Ele morreu ontem com 94 anos, muito calmo, nunca bebeu um café, nunca fumou um cigarro e nunca gritou que eu visse. Nunca deixou de adormecer e ressonar nas mais variadas situações. Adorava os fados de Coimbra. Adorava o passado. Viveu o século vinte todo. Adorava a mulher com quem viveu quase toda a sua vida. Eu quando era muito pequenino uma vez dei-lhe eum apalmada na careca. Nunca me levou nada a mal. Bebia o seu vinho às refeições e quando comiamos alguma iguaria falava sempre dos cozinhados da mãe dele. E que delicia deviam ser, para ele não deixar escapar uma oportunidade para os elogiar. Foi ele que me explicou a expressão "não vale a pena". Enquanto almoçavamos na sala de jantar de chão de couce alguém dizia que alguma coisa "não valia a pena de uma galinha"... "Ou a pena jurídica" disse o meu tio com um passado de leis partilhado com o meu avô António. Foi ele que tentou estar lá para todos como um pai que sempre quiz ser. Uma pessoa que andava muito todos os dias da sua vida. Um homem budista que contava os passos que dava. Um homem que sempre lutou disciplinadamente contra as moscas do Verão de chão de couce enquanto dormia. Um homem que se habituou e amou a acordar com a palavra: "Alberto!" da minha Tia Titi. Teve-nos a todos como filhos e não sofreu. Isso dá-me paz. Sempre numa luta para pôr as suas gotas... Foi o meu tio que partilhou tardes no banco verde do jardim a apanhar sol enquanto eu conversava com o meu avô António e a minha avó e a Titi arranjavam as unhas sempre impecáveis e brilhantes. Sempre esteve presente em todos os Natais para dizer que os sonhos estavam melhores os ano passado mas sempre pronto a comer mais do que um ou dois. Um homem que escreveu poesia que nos lia quando o visitavamos. Roer palavras e picardias irónicas sempre foi da sua especialidade. Tinha os seus fantasmas como todos nós. Um homem que amou a tristeza tanto quanto o amor de uma vida. Um homem que esteve sempre lá para nos fazer pensar. Um homem com a sua bolha pensante, que oferecia momentos e presenças na memória daqueles que sempre foram os seus filhos.
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