1.14.2005

How could I write these things? - 2001

Soda Cáustica

Mais uma entre muitas tardes de inércia total. O Daniel cedia ao prazer lascivo de ver televisão tardes sem fim, porque não dizer dias... Tinha a educação que todos os bebés do fim do século, pensava ele, recebiam obrigatóriamente: a ainda tão mal vista cultura televisiva. O percurso deste jovem, alheado, era típico, escola a vida a toda, agora faculdade, várias actividades semanais, uma família feliz, praia no verão, televisão internet e amigos nos tempos livres. Era quase um retrato robot do jovem médio da sociade Europeia do começo do novo milénio para quem o conhecia mal, mas tinha as suas peculiaridades. Uma delas era adorar tocar piano, e segundo diziam tocava maravilhosamente, a outra era escrever. Registava tudo no seu computador, em cadernos, blocos... Em todas as superfícies brancas sobrepunha palavras como experiências para que elas tomassem o sabor da sua vida.
O Daniel queria ser tudo. Adorava quase todas as áreas do conhecimento mas nunca se dedicara muito a nenhuma. No que diz respeito às artes a música era a que mais o ocupava mas sonhava em vir a ser escritor, pintor, desportista, viajante, cientista, filósofo, psicólogo, informático, escultor, engenheiro, fotógrafo, médico... eu sei lá! Mas de todas elas músico era sem dúvida a que lhe parecia mais próxima da realidade.
Ele tinha ficado marcado por aquilo que aprendera sobre o homem do renascimento e sempre desejara aproximar-se ao máximo desse ideal. As pessoas são fracas e não duram sempre. Os idealismos absolutistas nas vidas de quem tem televisão por cabo são demasiado rápidos e efémeros. Apenas para que o desejo de mudar de canal não se sobreponha à curiosidade de aprender e pensar. Ele apercebia-se do imperialismo da ilusão na sua vida mas simplesmente não tinha ferramentas para se libertar.
Mesmo nas namoradas ele percebia que alguma coisa estava errada. As coisas nunca duravam muito tempo. Afinal tudo fartava e não era propriamente como aparecia nos ecrãs que minavam a sua vida. Essas superfícies de vidros, com mecanismos enigmáticos imediatamente atrás, eram de tal forma dominantes que ele já não se apercebia da sua presença, apenas da sua ausência quando faltava a luz por alguma razão.
Os livros que lia acabava por esquecer e parecia que não acabava nenhum. O desespero de sentir que podia ler muito mais fazia com que se perdesse em linhas e parágrafos incabados. Apesar dos grandes e muitos amigos que tinha sentia um absurdo insuportável na sua vida. O dinheiro que as gerações anteriores tinham por meta já não era desejado. A filosofia tinha morrido dentro dos alheados da moda e do consumismo. Agora quando surgia uma angústia ia-se ao cinema ou gastava-se a mesada toda. A necessidade de fugir dele próprio começou a tornar-se uma ideia muito poderosa. Papou algumas fitas que lhe tinham recomendado para inibir os impulsos mais fortes. Leu livrinhos maricas que fazem um gajo sentir-se bem, viu filmes cheios de mensagem e significado, falou com pessoas que tinham ideias e objectivos por que lutar. Nada. Nem o nielismo, nem o mutualismo, budismo, cristianismo, comunismo, existencialismo, capitalismo, platonismo, livro nenhum, pessoa alguma ou ideia qualquer que ela fosse eram suficientes para colmatar a necessidade de sentir que conseguia ser a sua própria droga. Nada chegava para se compreender. Nem sabia bem o que seria uma pessoa compreender-se. Tinha automatismos que percebia, alguns dominava, outros não, mas seria ele apenas uma soma de automatismos. Queria negar isso a todo o custo e não era o Zaratustra, poemas ou aforismos que o iam libertar desse sentimento mais pesado do que o de culpa. As grandes viagens eram feitas no nosso interior, tinha lido em algum lado concerteza, mas sentia-se limitado a um sentir previamente deformado pela impossibilidade de divergir.
Essa era uma característica marcante na sua personalidade: apesar de estar sempre dentro ou ligeiramente a cima da média não se via como um ser original e diferente. Não era uma questão de se achar mais ou menos que os outros, como as pessoas (mais banais do que) comuns costumavam dizer. Queria partilhar uma pedra muito dura que tinha dentro dele e trocar experiências a um nível que não lhe parecia ser possível. Desistiu de viver triste com estes temas limitados mas já há muito encastrados na sua mente que mente e resoveu partir sem destino. Exactamente quando se preparava para deixar a sua casa, o curso de engenharia que tinha tirado e os seus amigos recebeu um convite para uma festa de um grande amigo seu. Para quem ia estar longe de tudo a vaguear sem destino por tempo indeterminado mais dois ou três dias não faziam qualquer tipo de diferença.
Tratava-se de um churrasco animado onde estavam todos os amigos. Era fantástico poder despedir-se, sem que ninguém sequer suspeitar. O Pedro, um dos seus melhores amigos, passou horas a contar piadas já bastante alcolizado. A música era má mas tinha batida e punha o pessoal todo a dançar. Foram parar uns quantos à piscina devido ao efeito esfusiante das misturas de bebidas, sendo a mais popular de todas a sangria marciana (liquido verde de sabor muito enjoativo). As raparigas excitas com aquilo tudo já estavam a ficar meias estéricas, ao ponto de algumas, ainda que completamente sobreas, fizessem companhia aos gajos que rosorveram tomar banho. A mesa de matraquilhos era um polo de atracção turistica da população desiquelibrada da festa. Os dardos eram o ponto de maior quantidade de bêbados por metro quadrado por estar logo ao lado do bar e ainda levar a umas boas gargalhadas quando as cetas passavam bem perto da cabeça de um inocente e depois se despedaçavam na parede. As paredes ainda estavam pintadas da loucura que tomou o controlo de todo o pessoal... Só o Daniel é que estava meio nostalgico e resolveu afastar-se ao fim de umas horas daquilo para ouvir o mar numa noite sem lua mas com sons calmos e profundos. Depois de andar um cinco minutos a música já não passava de um ruído perdido entre a força da rebentação que se impunha como um vento de ressonância quase constante e reconfortante por não enregelar ninguém. Qaundo encontrou um banco para se sentar reparou que estva mesmo ao lado uma rapariga sozinha, com um ar triste e pensativo... A reacção foi inconsciente:
-Ups! Desculpa...

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