11.25.2006

Gente da minha terra

Sendo eu desses seres que preferem Alfama ao Bairro e daqueles que gostam de se perder, falar com quem passa, ir à casa de banho e ver uma janelinha para o rio, comer sardinhas junto às laranjeiras numa praça pequena e ouvir os berros da Dona Benedita para a filha enquanto as porcas das gaivotas davam um toque pseudo-poético a tudo o que ia vivendo. E nessa cidade de luz onde aprendi a pintar, a sentir os espaços, onde vivi com o mar e o rio enquanto jantava e bebia vinho com os amigos de Baco, o comboio e o castiço, relembro a dor que sentia quando triste percebi que o mundo não era feito de mais nada que não amor e que podia perder-me antes de ele vir a acontecer em mim.

Nesses momentos em que olhava o céu sem esperança, sentia uma ausência imensa, um espaço para não ser feliz e uma capacidade de entrar indiferente em festas, concertos, bares e despiques que hoje em dia já partiram. Já não sou inocente ao ponto de me rebolar no chão em público. E onde é que senti esta cidade? A primeira vez que a senti passava com os meus amigos em frente à brasileira e descia a rua em direcção ao elevador de santa justa. Senti que viajava no sítio onde nasci. Havia algo novo em Lisboa e não era um por do sol, nem um sabor fantástico na comida, era uma coisa que só encontramos quando não pertencemos a um certo sítio. Antes de partir eu já era viajante. E sentia toda a gente que ia conhecendo como uma apresentação de personagens de um filme que tinha um fim tão certo como imprevisível.

Ouvi lá Marisa e adorei. E quando voltei numas férias doridas fui a Monsanto vê-la embalar-me as lágrimas como uma ninfa camoniana do Tejo. Aprendi a gostar do fadinho, do fado, das ruelas e das avenidas. Aprendi o que era ser vadio, e o que é a ginjinha enquanto se discute e se descobrem pessoas feitas de madeira como o Herberto Hélder. Fui ao encontro de eternos retornos enquanto lia devagar mas tudo isso se transformou noutra coisa que ainda não conheci. Meti-me pelo chafariz do vinho e feiras dos sabores, encontrei clubes, caves cheiinhas de jazz só para mim e a Graça com os seus miradouros escondidos. Senti a dor de estar a voltar num avião e dizer: Home em vez de casa. Fiquei um viajante ainda mais perdido nos seus sonhos que já nem têm uma língua fixa, qualquer gesto que faça tem sempre duas medidas. Tenho saudades dos beijinhos na cara de miúdas lindas a toda a hora. Sinto falta do estilo latino, dos parques minúsculos, do cine 222 e de todas aquelas coisas horrorosas que não suportava. Adoro tudo ali na "grande" Lisboa. E é lá que vou voltar a amar e ser amado pela miúda que ainda não sei quem é, sentir amizades profundas e a minha família como senti antes mas agora para sempre e devolver tudo o que me deram de amor e juntar-me a eles.

Queria ter tudo perto de mim. Mas só tenho uma maquete pequenina dentro de mim, num peito rasgado que só queria estar nas ondas, nas rampas de relva, na Gulbenkian a apanhar sol com uma rapariga que não vou esquecer... e como é que se pode deixar de pensar se estava num sítio tão luminoso quando tudo aconteceu pela primeira vez. É uma sorte vir de onde venho. Com o laranja dos cacilheiros, os casais no cais de Belém a comer pasteis, o jardim das oliveiras no CCB onde lia as minhas cartas e aqueles beijos todos que dei num cenário de sonho. É tão bom fazer amor no verão da minha Lisboa menina e moça ao som da água do rio, das árvores de Sintra ao longe e das ideias que nos impulsionam para lá do razoável. Abracem-na vocês que eu amo e que podem estar a cada instante com ela. Amem Lisboa por mim e depois digam-me o que estou a perder porque navegar é preciso, sentir é preciso e voltar um dia também.

1 comment:

Anonymous said...

é bonito o que escreveste: sente-se. Parabéns

Jorge Falcão